O Ponto G ( Parte 3)

Existe um tipo de mulher que, menos por opção e mais por situação, vive na linha fina que distingue gente comum dos que têm superpoderes.

Estou falando da super-incrível-perfeita-insubstituível mulher. Alguém como você, que levanta às 6, corre para a academia, malha mais alguma parte do corpo bem mantido, volta para casa e come alguma coisa muito saudável. Banha-se e veste-se para o trabalho, chega pontualmente às 8:30, desempenha suas múltiplas atividades e ainda suporta o mau humor do chefe com um sorriso. Por volta do meio dia tem sempre alguma coisa para fazer antes de ir almoçar – como buscar as crianças na escola, ou fazer alguma comprinha para a geladeira.

Em casa descobre que a empregada queimou a carne e a salada ainda está nos saquinhos do sacolão. O mais velho leva um bilhete da professora solicitando sua presença na escola (qualquer coisa como palavrão, chiclete no cabelo, bombinha, sei lá); o mais novo tem um dedão sem cabeça – um tropeção no recreio.

Acudidos os pimpolhos, salvo o almoço, volta ao trabalho, não sem antes descobrir que tem contas de luz e telefone vencendo naquele dia. O saldo no banco é negativo e faltam ainda dez dias para receber.

De volta ao escritório, descobre que sua meia tem um verdadeiro rombo de alto a baixo – parecido com seu orçamento do mês.

Lá pelas três da tarde, o ex-marido liga para avisar e pedir paciência – vai atrasar a pensão das crianças.

O mau humor do chefe não melhorou e o office-boy simplesmente sumiu desde as dez da manhã.

A mãe liga para pedir um pouco de atenção, afinal você não telefona há dois dias, e você faz a promessa fatal de passar lá antes de ir para casa. Como? Só Deus sabe!

Abre o Orkut, o Face, o Twitter e entre as muitas bobagens, um lindo scrap do namorado novo... enfim, alguma coisa realmente boa! Você liga para agradecer e ele promete terremotos e outros fenômenos pra noite de sexta.

Uma sombra passa pelos seus pensamentos – sem depilar já há um bom tempo, você deve estar mais parecida com Monga, a mulher gorila, que com a Sharon Stone. Melhor marcar uma depiladora, para o final do expediente ...mas, e mamãe?

Bem, a mamãe não vai lhe abandonar por mais uma furada, mais o mesmo pode não se aplicar com o namorado.

Depois de tentar em vão um horário com sua depiladora, compra rapidamente um aparelho de barbear no supermercado e volta para casa. Logo na porta está o aviso de corte da luz. Na sala, descobre que o mais velho conseguiu virar o hack no chão, com televisão, DVD e tudo. Ninguém se machucou, mas a empregada, que está atônita e chorando alto, anuncia que quer as contas. A lavadora de roupas quebrou pela terceira vez em quatro meses.

O menor abraça sua perna e reclama de saudade.

Depois de juntar os cacos e o que sobrou inteiro da destruição na sala de estar, põe os anjinhos no banho e prepara um lanche rápido para todos. Por um acaso, guardando a bolsa, lembra-se que não tomou o anticoncepcional pela manhã. Ledo engano. Descobre que também não tomou ontem, nem anteontem. “E hoje, que faço hoje?”

O telefone toca e é a sua amiga neurótica, contando aquelas histórias horrorosas sobre doenças contagiosas, assaltos, sequestros e outras desgraças.

O telefone toca outra vez e é a sua mãe, lhe dizendo que não precisa mais chamá-la de mãe.

O telefone toca e é alguém lhe vendendo qualquer coisa.

O telefone toca e... era engano.

As crianças jantam e consegue, depois de muita história, beijinhos e promessas de passeios no fim de semana, colocá-los para dormir.

Pelo menos a empregada foi convencida de ficar mais um mês, já que você prometeu comprar uma lavadora nova, arranjar atividades para o mais velho durante toda tarde e aumento salarial!

Descobre que já são dez horas – o namorado deve chegar em uma hora – e ainda nem tirou todos aqueles pêlos! Banho demorado, um jeito nos cabelos (escovados e pranchados um dia antes), bom perfume, aquele vestidinho de seda, os indefectíveis, clássicos e caríssimos sapatos (que ainda não foram totalmente pagos e que maltratam lindamente seu dedo mindinho) e – voilà!

Uma linda mulher! O namorado chega, elogia sua aparência e a paz de sua casa. Saem para jantar, dançam um pouco e terminam a noite no motel. Antes de fechar os olhos, depois de fazer amor pela segunda vez, seu último pensamento é: “não acredito que consegui”.

Pela manhã, o namorado chama para o café e, entre o suco e o croissant, resolve dizer: “Querida, eu não queria falar, mas, ontem à noite, bem, é a primeira vez que vejo uma mulher roncar, e logo você, uma mulher tão perfeita.”

Você respira fundo. “Desculpe, amor, acho que estava cansada. Em compensação, você sempre fofo, como um ursinho panda...”

“Urso panda?”

“Sim: grande, peludo e um pintinho bem pequenininho.”

Caso encerrado.

Comentários

  1. se já era sua fã... agora lendo suas crônicas, sou eternamente...
    me vi desnudada neste texto... adorei!!!
    beijo!!!

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